O atraso no pagamento de contratos administrativos pela Administração Pública é uma questão recorrente que gera impactos significativos para os fornecedores. Este tutorial visa orientar sobre os procedimentos e a base legal para o pagamento de juros e correção monetária a fornecedores em decorrência de atrasos, fundamentando-se nas Leis nº 8.666/93 e nº 14.133/21, bem como na jurisprudência consolidada dos tribunais superiores.
É fundamental que a Administração Pública compreenda a obrigatoriedade de tais pagamentos, não apenas para cumprir a legislação, mas também para manter a higidez das relações contratuais e evitar o enriquecimento sem causa. A inobservância dessas diretrizes pode levar a questionamentos judiciais e prejuízos à imagem da instituição.
1. Base Legal e Evolução Normativa
1.1. Lei nº 8.666/93 (Revogada, mas ainda aplicável a contratos antigos)
A Lei nº 8.666/93, embora revogada pela Lei nº 14.133/21, ainda rege os contratos celebrados sob sua égide. Ela estabelecia, de forma clara, a obrigatoriedade de previsão de condições de pagamento que incluíssem prazos e critérios de atualização financeira. O Art. 40, inciso XIV, alínea ‘a’, da Lei nº 8.666/93 determinava que o edital e, consequentemente, o contrato administrativo, deveriam prever:
XIV – condições de pagamento, prevendo: a) prazo de pagamento não superior a trinta dias, contado a partir da data final do período de adimplemento de cada parcela; c) critério de atualização financeira dos valores a serem pagos, desde a data final do período de adimplemento de cada parcela até a data do efetivo pagamento; d) compensações financeiras e penalidades, por eventuais atrasos, e descontos, por eventuais antecipações de pagamentos;
Este dispositivo era crucial para garantir que os pagamentos fossem realizados em tempo hábil e que, em caso de atraso, o valor devido fosse devidamente atualizado. A contagem do prazo de 30 dias deveria iniciar-se a partir do adimplemento da obrigação pelo contratado (entrega do bem, execução do serviço ou etapa da obra), e não de eventos burocráticos como a emissão de nota fiscal ou medição.
1.2. Lei nº 14.133/21 (Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos)
A Lei nº 14.133/21, que entrou em vigor para substituir a Lei nº 8.666/93, trouxe diversas inovações, mas, notavelmente, omitiu a fixação de um prazo máximo para o pagamento de obrigações ao contratado. Em vez disso, a nova lei exige que as condições de pagamento sejam detalhadamente estabelecidas no edital, no termo de referência e na minuta do contrato.
Essa omissão, embora possa parecer uma flexibilização, demanda maior atenção por parte da Administração e dos licitantes. A ausência de um prazo legal fixo pode levar a interpretações diversas e, se não houver clareza contratual, pode gerar insegurança jurídica e atrasos ainda maiores. No entanto, os princípios gerais do direito administrativo e a jurisprudência continuam a balizar a questão.
O Art. 137 da Lei nº 14.133/21, ao tratar dos motivos para extinção do contrato, menciona o atraso em situações específicas, como na obtenção de licença ambiental ou na liberação de áreas para desapropriação, o que indiretamente reforça a importância do cumprimento dos prazos pela Administração.
O Art. 162 da Lei nº 14.133/21 prevê que o atraso injustificado na execução do contrato sujeitará o contratado a multa de mora, na forma prevista em edital ou em contrato. Embora este artigo se refira ao atraso do contratado, o princípio da reciprocidade e a boa-fé contratual sugerem que a Administração também deve ser diligente em seus pagamentos.
2. Entendimento Jurisprudencial e dos Órgãos de Controle
2.1. Tribunal de Contas da União (TCU)
O TCU tem um entendimento consolidado de que a correção monetária e os juros de mora são plenamente exigíveis em caso de atraso no pagamento por parte da Administração Pública, mesmo que não haja previsão expressa no contrato. O Tribunal considera que a correção monetária visa preservar o valor da moeda frente à inflação, enquanto os juros de mora compensam o atraso no cumprimento da obrigação.
Em suas orientações, o TCU destaca que a Administração deve indicar o índice que melhor reflita a variação dos custos da contratação, preferencialmente já previsto no contrato. Na ausência de previsão, deve-se aplicar um índice que reflita adequadamente a variação da moeda, como o IPCA-E.
2.2. Superior Tribunal de Justiça (STJ)
O STJ corrobora o entendimento do TCU, afirmando que a correção monetária e os juros legais incidem sempre que há atraso no pagamento pela Administração, ainda que não exista previsão contratual. A jurisprudência do STJ é firme no sentido de que a correção monetária é cabível a partir do vencimento da obrigação.
Em relação aos juros de mora, o STJ entende que são contados a partir do primeiro dia de inadimplemento, por se tratar de obrigações líquidas, certas e exigíveis, conforme o Art. 397 do Código Civil. A taxa de juros a ser aplicada deve ser aquela em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional, conforme o Art. 406 do Código Civil.
O STJ também sumulou o entendimento de que “Incide correção monetária sobre dívida por ato ilícito a partir do efetivo prejuízo”, reforçando a natureza ilícita da mora da Administração.
3. Cálculo dos Juros e Correção Monetária
Para o cálculo dos juros e da correção monetária, devem ser observados os seguintes critérios:
- Correção Monetária: Aplicar o índice previsto no contrato ou, na ausência deste, um índice que reflita a variação da moeda, como o IPCA-E, desde a data final do período de adimplemento de cada parcela até a data do efetivo pagamento.
- Juros de Mora: Aplicar a taxa de juros em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional (atualmente a taxa SELIC, sem cumulação com outros índices), a partir do primeiro dia de inadimplemento até a data do efetivo pagamento.
É crucial que a Administração realize esses cálculos de forma precisa e transparente, garantindo que o fornecedor receba o valor integral devido, acrescido dos encargos legais.
4. Procedimentos para o Pagamento de Juros e Correção Monetária
Para efetuar o pagamento de juros e correção monetária a um fornecedor devido a atraso, a Administração deve seguir os seguintes passos:
- Cadastrar processo administrativo:
- Tipo de processo: GESTÃO ORÇAMENTÁRIA E FINANCEIRA: PAGAMENTO DE FORNECEDOR – 052.221
- Classificação CONARQ: 052.221 – (GESTÃO FINANCEIRA) EXECUÇÃO FINANCEIRA – DESPESA – DESPESA CORRENTE
- Assunto detalhado: Solicitação de pagamento de juros por atraso de pagamento do contrato nº XXX/202X
- Interessado: O fornecedor do contrato
- Elaborar ofício contendo:
- Identificação do Atraso: Constatar o atraso no pagamento de uma fatura ou parcela contratual, verificando a data de vencimento original e a data do efetivo pagamento.
- Cálculo dos Encargos: Realizar o cálculo da correção monetária e dos juros de mora, conforme os critérios estabelecidos na legislação e na jurisprudência. É recomendável a utilização de sistemas ou planilhas que garantam a precisão dos cálculos.
- Justificativa e Motivação: Elaborar a justificativa e motivação para o pagamento dos encargos. Este documento deve detalhar o motivo do atraso, a base legal para o pagamento dos juros e correção, e os cálculos realizados. A ausência de justificativa pode configurar irregularidade.
- Solicitar autorização: Pró-reitor de Administração e Infraestrutura enquanto ordenador de despesas.
- Envio do processo: Enviar o processo à PROAD
- Autorização da Autoridade Competente: A autorização deve ser emitida pela Pró-reitoria de Administração e Infraestrutura.
- Realização do pagamento: Emitir a ordem de pagamento, discriminando claramente o valor principal, a correção monetária e os juros de mora.
- Comunicação ao Fornecedor: Informar o fornecedor sobre o pagamento dos encargos, apresentando os cálculos e a justificativa.
5. Documentação e Transparência
Manter a documentação completa e organizada é essencial para a transparência e a conformidade dos atos administrativos. Todos os documentos relacionados ao atraso, cálculo dos encargos, justificativas, pareceres e autorizações devem ser arquivados no processo administrativo do contrato.
A transparência na gestão dos pagamentos e encargos moratórios fortalece a confiança entre a Administração Pública e seus fornecedores, contribuindo para um ambiente de contratação mais justo e eficiente.
Conclusão
O pagamento de juros e correção monetária por atraso em contratos administrativos é uma obrigação da Administração Pública, respaldada pela legislação e pela jurisprudência. A Lei nº 8.666/93 e a Lei nº 14.133/21, juntamente com os entendimentos do TCU e do STJ, fornecem a base para que esses pagamentos sejam realizados de forma correta e transparente. A adoção de procedimentos claros e a devida justificativa são essenciais para garantir a legalidade e a eficácia desse processo, protegendo tanto a Administração quanto os direitos dos fornecedores.
Referências
[2] https://www.garrastazu.adv.br/juros-e-correcao-monetaria-em-contratos-publicos
[3] https://escoladalicitacao.com.br/blog_interna.php?blog=153
[4] https://licitacoesecontratos.tcu.gov.br/6-1-7-pagamento/